Neste módulo e nos seguintes, são apresentadas as etapas do processo de trabalho clássico das ouvidorias. Afinal, em qualquer projeto ou atividade, discutir a rotina é sempre oportuno, pois permite reavaliá-la, fazer ajustes e oferecer um atendimento ágil e eficaz às demandas dos usuários.
Aqui, vamos tratar especialmente sobre os procedimentos relativos ao recebimento e registro das manifestações.
Nesse processo, existem muitas variáveis. De um lado, a forma como a manifestação foi relatada pelo cidadão, que possui suas percepções acerca do fato narrado. Do outro, está a equipe da ouvidoria, que analisará o teor, e que também possui suas percepções, conhecimentos, habilidades e atitudes.
Dessa forma, uma mesma manifestação pode ser entendida de diferentes maneiras, levando-nos a concluir que a subjetividade é algo natural e a diversidade de opiniões pode e deve ser utilizada para enriquecer o trabalho. No entanto, cabe salientar que a padronização de procedimentos auxilia a ouvidoria na redução de possíveis problemas decorrentes de diferentes percepções.
Unindo todo esse processo, estão as ferramentas utilizadas para desenvolver o trabalho, que permitem documentar todas as etapas de tratamento das manifestações como, por exemplo, o sistema informatizado.
Por fim, a ouvidoria deve garantir a qualidade e o cumprimento dos prazos de resposta. Mas, o processo de trabalho ainda não está finalizado. Após as etapas de tratamento, a ouvidoria tem o importante papel de produzir informações que podem indicar a necessidade de mudanças nas políticas públicas de saúde.
Antes de discutir as etapas de tratamento de uma manifestação, vamos abordar um assunto muito importante para as ouvidorias do SUS: a humanização do atendimento.
Navegue pelos itens a seguir clicando sobre eles.
O atendimento de uma ouvidoria começa no “escutar” o cidadão. É imprescindível ter em mente que o atendimento aos usuários demanda uma atitude sensível aos aspectos humanos dessa interação. Isso significa que o reconhecimento da individualidade e da condição que o leva à ouvidoria deve sobrepor-se à automatização que ocorre rotineiramente em serviços de saúde. Nesse sentido, o chamado “atendimento humanizado” deve inserir-se como princípio básico, orientador das atitudes da equipe da ouvidoria diante dos usuários e de suas manifestações.
A Política Nacional de Humanização (PNH) existe desde 2003 para efetivar os princípios do SUS no cotidiano das práticas de atenção e gestão, qualificando a saúde pública no Brasil e incentivando trocas solidárias entre gestores, trabalhadores e usuários (BRASIL, 2004). A PNH deve se fazer presente e estar inserida em todas as políticas e programas do SUS. Promover a comunicação entre esses três grupos pode provocar uma série de debates em direção a mudanças que proporcionem melhor forma de cuidar e novas formas de organizar o trabalho, ou seja, nos modos de gerir e cuidar.
O estímulo à comunicação entre gestores, trabalhadores e usuários para construírem processos coletivos de enfrentamento nas relações de poder, trabalho e afeto tem o propósito explícito de evitar atitudes e práticas desumanizadoras ainda visíveis nos serviços e que inibem a autonomia e a corresponsabilidade dos profissionais da saúde e dos usuários do SUS.
Escute as informações dos próximos tópicos, clicando nos botões a seguir. Neles você escutará sobre como podemos reforçar a PNH em diferentes momentos do nosso trabalho.
Após ouvir esses áudios, você percebe como a ouvidoria está integrada aos processos de humanização?
Veja outras recomendações da PNH (BRASIL, 2004):
Agora, vamos discutir as etapas iniciais do tratamento de uma manifestação.
O recebimento ocorre pelos canais de entrada disponibilizados pela ouvidoria. Assim, de acordo com a realidade local, as manifestações podem ser acolhidas de forma presencial, por carta, telefone, formulário eletrônico, e-mail, caixa de sugestões e outros meios.
De acordo com o art. 12 do Decreto n. 9.492, de 5 de setembro de 2018, a ouvidoria não pode, em hipótese alguma, recusar o recebimento de manifestações (BRASIL, 2018a). Na prática, isso significa que toda manifestação não pertinente será recebida e encaminhada à instância responsável pelas providências requeridas.
O atendimento ao cidadão deve ser realizado com cordialidade, objetividade e segurança, considerando ainda os princípios de humanização. O acolhimento deve ser concretizado por meio da escuta qualificada do cidadão e da atenção dispensada à sua manifestação. Veremos, a seguir, os tipos de atendimento prestados e suas particularidades.
As ouvidorias devem contar com uma diversificação de canais de atendimento, pois isso facilita a participação dos usuários na gestão do SUS.
Os dois principais meios de atendimento que conectam em tempo real os cidadãos às equipes são o presencial e o teleatendimento. O atendimento via chat traz a perspectiva do on-line, facilitando o acesso, mas não parece construir a mesma afinidade cidadão-serviço, ou seja, escutar a voz, a troca de olhares, o aperto de mão.
Presencial
O atendimento presencial é realizado nas dependências das ouvidorias. Existem cuidados específicos que devem ser observados nesse tipo de atendimento. Os primeiros segundos são fundamentais no acolhimento do cidadão, que deve ser tratado com educação, simpatia e profissionalismo. Também devem ser observados a expressão facial, o tom de voz, a linguagem corporal, a aparência (vestimentas, higiene pessoal) e postura física. Um dos aspectos mais importantes das nossas interações no dia a dia é a nossa comunicação não verbal.
Existem ainda outras estratégias para que os cidadãos se sintam acolhidos durante o atendimento presencial:
Telefônico
Escute os áudios com três situações de atendimento, clicando nos ícones a seguir. Que atitudes positivas e negativas em relação ao acolhimento do cidadão são evidenciadas?
No atendimento telefônico, a comunicação deve ser curta e objetiva, sem deixar de ser cordial. Ela inclui pedidos de feedback (retorno) e uma pausa para que o manifestante responda. A comunicação pelo telefone é desafiadora, pois atendentes e cidadãos estão em ambientes físicos diferentes. Os ruídos do telefone podem distorcer o som da sua voz e tornar suas palavras difíceis de serem entendidas. Além disso, sua mensagem pode competir com distrações externas que fogem ao controle.
Para que o atendimento telefônico seja eficaz, é necessário observar os seguintes aspectos:
Um ponto importante nos dois atendimentos – presencial e telefônico – é a possibilidade de usar protocolos que podem estar descritos no procedimento operacional padrão (POP). Esses documentos funcionam melhor para o atendimento telefônico, uma vez que, no presencial, a atenção deve ser redirecionada ao cidadão e seu relato. O POP é examinado com mais detalhes adiante no Módulo 4.
A experiência vai lhe trazer a fluidez da escuta, o aprimoramento do registro das informações necessárias ao tratamento e do conhecimento sobre toda a organização a qual a ouvidoria está vinculada. Mas, lembre-se de estabelecer vínculo tanto no atendimento presencial quanto no telefônico.

Carta e e-mail
Esses dois tipos de atendimento apresentam muitas características comuns; por meio deles, os cidadãos podem expressar-se livremente. Anexos à carta ou ao e-mail, comumente são enviados vários documentos como receitas médicas, documentação comprobatória de denúncias, fotos etc.
Por não haver campos predefinidos de preenchimento, o usuário pode esquecer-se de manifestar a vontade de manter seus dados sob sigilo e, em grande parte das vezes, faltam dados importantes ao andamento da manifestação. Nesses casos, a ouvidoria deve solicitar a complementação de informações.
Formulário eletrônico
Outra forma de recebimento de manifestações é o formulário eletrônico, que pode ser disponibilizado pelas ouvidorias na página eletrônica de seu estado ou município.
No caso da Ouvidoria-Geral do SUS, o formulário pode ser acessado no Portal gov.br
Para conhecer um exemplo de formulário eletrônico, visite o Portal Fala.BR, da Controladoria-Geral da União. Esse canal é muito utilizado pelos cidadãos que preferem a internet para realizar o registro. O formulário eletrônico possibilita o registro de informações obrigatórias por meio de campos de preenchimento predefinidos, facilitando o tratamento da manifestação.

Caixa de manifestações
Algumas ouvidorias disponibilizam caixas locais para coleta de manifestações escritas pelos cidadãos. Umas oferecem, inclusive, um formulário-padrão para o preenchimento das manifestações a serem depositadas.

Deve conter todas as informações necessárias ao tratamento da manifestação. É importante ser fiel ao que foi dito pelo cidadão, relatando os fatos de forma objetiva e coesa, respeitando as regras básicas da escrita (ortografia, concordância, pontuação).
Antes de cadastrar uma nova manifestação, é necessário verificar se ela já foi registrada. Dessa forma, não será necessário realizar um novo registro e, sim, informar o cidadão sobre o andamento. Novas informações também podem ser adicionadas.
O atendimento pode ser conduzido com o auxílio de algumas perguntas:
Perguntas de fundo: são aquelas que ajudam a identificar se o manifestante ligou para o local correto ou se a manifestação é pertinente a outro órgão. Por exemplo: o cidadão ligou para reclamar de uma perícia médica realizada pelo médico do INSS. Neste caso, a manifestação deve ser encaminhada à ouvidoria do INSS ou o cidadão pode contatar diretamente o referido órgão.
Perguntas de sondagem: ajudam na coleta dos dados necessários ao atendimento da manifestação. O ato de sondagem é entendido como a operação de pesquisar, explorar, investigar cautelosamente e perguntar de forma direcionada. Por esse motivo, as perguntas podem variar de acordo com o tipo de manifestação. O objetivo principal de uma sondagem direcionada é compreender o relato do cidadão e obter informações precisas para o tratamento da manifestação pela rede.
Perguntas de confirmação: servem para verificar se o relato do manifestante foi corretamente compreendido, oferecendo um sistema de avaliação e feedback (retorno), que pode ser utilizado no decorrer de todo o atendimento. Por exemplo: se o teleatendente pergunta ao cidadão de que cidade está falando, e por algum motivo for difícil compreender a resposta (por exemplo, se a ligação estiver baixa), o teleatendente pode confirmar a informação: “o senhor está falando de Brasília – Distrito Federal?”.
Apresentamos, a seguir, alguns exemplos de perguntas de sondagem, que podem ser utilizadas para facilitar a coleta das informações necessárias ao tratamento da manifestação.
Vamos supor a seguinte situação: um cidadão informou que, desde janeiro de 2020, busca atendimento com o neurologista e não consegue marcar uma consulta. Se essa informação não é suficiente para a área de regulação do sistema de saúde trabalhar efetivamente o que foi solicitado, o que fazer?
O trabalhador da ouvidoria pode utilizar um protocolo de perguntas, o POP, para facilitar seu trabalho e obter as informações que faltam:
Essas informações permitem que a área responsável consiga tratar os dados e responder à ouvidoria. A resposta deve ser satisfatória ao que foi questionado ou solicitado pelo usuário do SUS. Em algumas localidades podem existir mais perguntas. Lembre-se de que o SUS é um sistema único com imensas especificidades em um país tão grande como o Brasil.
Também é no momento do registro que o cidadão pode optar pelo sigilo de seus dados pessoais ou pelo anonimato. Você saberia dizer a diferença entre eles?
No caso do sigilo, os dados do manifestante ficarão resguardados pela ouvidoria, que deve assegurar a proteção da identidade e dos elementos que permitam a identificação. No entanto, cabe salientar que o sigilo não é permitido nas solicitações de medicamentos, produtos para a saúde, exames e outros procedimentos, pois as providências necessárias exigem a identificação do cidadão. Já no anonimato, o manifestante não fornece nenhum de seus dados à ouvidoria.
No que tange à comunicação de irregularidade, cabe observar o que diz o Decreto n. 9.492, de 5 de setembro de 2018:
Art. 23. As unidades que compõem o Sistema de Ouvidoria do Poder Executivo federal poderão coletar informações junto aos usuários de serviços públicos com a finalidade de avaliar a prestação desses serviços e de auxiliar na detecção e na correção de irregularidades.
§ 1º As informações a que se refere o caput, quando não contiverem a identificação do usuário, não configurarão manifestações nos termos do disposto neste Decreto e não obrigarão resposta conclusiva.
§ 2º As informações que constituírem comunicações de irregularidade, ainda que de origem anônima, serão enviadas ao órgão ou à entidade da administração pública federal competente para a sua apuração, observada a existência de indícios mínimos de relevância, autoria e materialidade (BRASIL, 2018a).
Durante o registro, também é preciso classificar a manifestação conforme os conceitos descritos a seguir.
Ainda durante o registro, é necessário identificar se o cidadão está realizando relatos distintos. Nesse caso, será necessário desmembrar a manifestação, observando que cada uma terá uma classificação e tipificação específicas. Por exemplo: solicitação de um medicamento e reclamação de um atendimento recebido no serviço de saúde.
Em quais casos é necessário desmembrar uma manifestação?
Solicitação de mais de um exame, cirurgia ou tratamento.
Clique nas peças para desmembrar a manifestação.
Solicitação de mais de um produto para saúde e correlatos, como sonda, seringa, lentes de contato e cadeira de rodas.
Quando a manifestação faz referência a mais de um tipo de classificação, como informação e reclamação.
Quando a manifestação faz referência a vários teores dentro da mesma classificação, por exemplo, duas reclamações, sendo uma de equipamento com defeito e outra que relata mau atendimento por parte de um profissional da saúde.
Reclamação ou solicitação referente a mais de uma vacina, por exemplo, solicitação das vacinas contra febre amarela e gripe.
Reclamação ou solicitação de medicamentos de componentes distintos.
Por fim, é importante destacar que todas as manifestações devem ser cadastradas no sistema informatizado, caso a ouvidoria disponha, o que possibilita a padronização do tratamento dos diferentes tipos e a elaboração de relatórios gerenciais. O cadastro das manifestações no sistema também facilita o acompanhamento de sua tramitação pelos usuários.
Resumindo, o registro deve ser:
Analise os registros a seguir e responda: quais dados necessários ao tratamento da manifestação estão faltando?
Registro 1: Recebemos manifestação nesta Ouvidoria-Geral do SUS, por telefone, onde a cidadã relata que foi mal atendida pela enfermeira da Unidade de Pronto Atendimento (UPA), localizada na Rua da Praça n. 163, centro de Belo Horizonte/MG. A cidadã compareceu à referida UPA no dia 16/11/2021, às 9 horas da manhã, apresentando sintomas da covid-19 e a enfermeira disse que ela estava fingindo para conseguir um atestado médico. A cidadã insistiu que não estava se sentindo bem, estava com febre, perda do paladar e olfato, mas não foi atendida. No mesmo momento, a cidadã se dirigiu ao Hospital Municipal, onde foi muito bem atendida, passou por uma triagem, fez o exame e constatou que de fato estava com a doença. Diante do exposto, solicita as providências cabíveis.
Opções:
Registro 2: Recebemos manifestação nesta Ouvidoria-Geral do SUS, por telefone, onde o cidadão relata que precisa de uma cirurgia no joelho direito, está sentindo muitas dores e até o momento não foi atendido.
Opções:
1. As perguntas de sondagem são muito utilizadas pelas equipes de atendimento das ouvidorias. Eles favorecem a coleta de dados precisos e geram respostas conclusivas para os cidadãos.
Agora, que tal simular um atendimento em que você fará algumas dessas perguntas? Vamos lá!
2. Escolha uma das situações anteriores (1 a 5) e registre uma manifestação na ouvidoria da sua cidade. Lembre-se de que os registros devem ser objetivos, completos, ortograficamente corretos e fidedignos (sem interpretações de sua parte). Você pode começar com uma frase-padrão:
1. Cidadã liga para a ouvidoria, pois foi mal atendida por um profissional de saúde.
Recebemos manifestação, nesta Ouvidoria da Secretaria de Saúde, na qual a Sra. Emengarda Assis de Souza (nome fictício) informa que foi destratada na Unidade de Saúde do Centro pelo enfermeiro Claudionor Silva (nome fictício), no dia 11 de janeiro de 2021, em torno das 16 horas, quando foi buscar atendimento médico. A cidadã informou que chegou à unidade e, por estar cinco minutos atrasada, correu até o local onde faziam a triagem dos pacientes. Ao chegar no local, o enfermeiro em questão disse que ela não poderia se atrasar nem cinco minutos, que aquilo era um desrespeito, e ainda questionou se ela sabia ler, pois parecia não saber olhar ponteiros do relógio. A cidadã relatou que ficou abalada, preferiu sair do local e procurar diretamente a Ouvidoria da Secretaria de Saúde, com medo de represálias por parte do serviço.
2. Cidadão entra em contato com a ouvidoria solicitando um medicamento.
Recebemos manifestação, na Ouvidoria do Hospital Antônio Bezerra de Faria, na qual o cidadão relata que necessita do medicamento Clonazepam de 1 mg. Disse que possui encaminhamento médico do SUS, prescrito por um neurologista do Centro de Especialidades para tratamento da ansiedade. O paciente informou que necessita de 30 comprimidos por mês, por seis meses. E que ao buscar o medicamento no Centro de Referência e na Unidade Básica de Saúde de Coqueiral foi informado de que não estaria disponível por atraso no processo de compra.
3. Cidadã vai pessoalmente à ouvidoria e fala que no postinho de saúde do bairro está faltando médico.
Recebemos manifestação, nesta Ouvidoria da Secretaria Municipal de Saúde de Anchieta, na qual a cidadã disse que, desde dezembro de 2020, o posto de saúde de Pombal, localizado na rua das Flores, em Anchieta, está sem médico clínico geral. Informou que apenas um enfermeiro atende no local. Ao procurar a direção do posto, foi informada de que a previsão de médico clínico geral seria apenas para o mês de maio. Relatou que não consegue atendimento desde dezembro e que necessita do acompanhamento de sua hipertensão.
4. Profissional da saúde liga para a ouvidoria e diz que o restaurante em que ele foi almoçar estava bem sujo e com baratas.
Recebemos manifestação, nesta Ouvidoria do SUS da Secretaria de Saúde, na qual o cidadão relata que esteve no Restaurante do Pepeu, localizado na Rua Teixeira de Freitas, 55, bairro Cobirra, no Rio de Janeiro, no dia 13 de janeiro, e que o local estava cheio de baratas no chão, algumas mortas e outras vivas caminhando próximo às mesas. Os cantos do restaurante estavam com restos de lixo amontoados, como se toda a sujeira tivesse sido varrida para lá. Informou que é profissional da saúde e tem conhecimento da legislação; pediu providências para que as pessoas que frequentam o local não adoeçam.
5. Cidadã liga para a ouvidoria dizendo que sua mãe precisa fazer um exame.
Recebemos manifestação, nesta Ouvidoria da Central de Vagas de Visconde, na qual a senhora Claudia Sulamita Cerqueira (nome fictício) relata necessitar de uma cintilografia do coração para sua mãe, Selma Sulamita Cerqueira (nome fictício), de 89 anos. Disse que tem encaminhamento médico do cardiologista da unidade do Lins, datado do dia 14 de janeiro de 2021, solicitando urgência para tal exame. Já procurou a unidade de saúde e a secretaria de saúde do município, mas foi informada de que deveria aguardar em casa. Questionou qual a previsão para atendimento, a sua posição na fila e o número de atendimentos realizados.
Para iniciar o tratamento da manifestação do usuário, que inclui seus dados pessoais, é necessário conhecer a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) (BRASIL, 2018b) regulamenta o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre- desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.
As ouvidorias do SUS sempre trabalharam nessa perspectiva, ou seja, considerando os princípios de privacidade, confidencialidade e sigilo. No entanto, a LGPD traz inovações no que se refere à forma de tratamento dos dados dos usuários (BRASIL, 2018b). Elas estão explicitadas no Guia de Boas
Práticas (GBP) e no Guia Orientativo para Definições dos Agentes de Tratamento de Dados
Pessoais e do Encarregado (Godat), elaborados pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) (AUTORIDADE NACIONAL DE PROTEÇÃO DE DADOS, 2020, 2021). Deles extraímos alguns pontos para o nosso estudo sobre a LGPD, conforme veremos a seguir.
Depois de ter navegado pelo esquema, vamos ver como a LGPD interfere em nossas operações.
O GBP esclarece que a LGPD autoriza, no art. 23, os órgãos e entidades da administração pública a realizar o tratamento de dados pessoais unicamente para o atendimento de sua finalidade pública, na persecução do interesse público, com o objetivo de executar as competências legais ou cumprir as atribuições legais do serviço público, desde que as hipóteses de tratamento sejam informadas ao titular (BRASIL, 2018b).
Assim, o tratamento de dados pessoais poderá ser realizado desde que enquadrado em uma das hipóteses elencadas em no art. 7º da LGPD e, no caso de dados pessoais sensíveis, nas autorizações elencadas no art. 11. Tais hipóteses podem ser compreendidas como condições necessárias para verificar se o tratamento de dados pessoais e dados pessoais sensíveis a ser realizado pelo controlador ou operador é permitido (BRASIL, 2018b).
No tratamento feito pelo poder público, as regras previstas na Seção I do Capítulo IV, especialmente o disposto nos artigos 23 e 30 da LGPD devem ser observadas pela Administração (BRASIL, 2018b).

Veja a seguir o quadro resumido das hipóteses de tratamento autorizadas pela LGPD, informando em cada caso a base legal referente ao tratamento de dados pessoais e dados pessoais sensíveis.
Antes de iniciar qualquer tratamento de dados pessoais, o agente deve certificar-se previamente que a finalidade da operação esteja registrada de forma clara e explícita e os propósitos especificados e informados ao titular dos dados.
No caso do setor público, a principal finalidade do tratamento de dados pessoais está relacionada à execução de políticas públicas, devidamente previstas em lei, regulamentos ou respaldadas em contratos, convênios ou instrumentos congêneres. O tratamento para cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador também é uma hipótese corriqueira no serviço público. Nessas duas situações, o consentimento do titular de dados é dispensado. O mesmo ocorre para o tratamento de dados pessoais sensíveis.
Contudo, o órgão que coleta deve informar claramente que o dado será compartilhado e com quem. Do outro lado, o órgão que solicita acesso a dado colhido por outro, isto é, solicita receber o compartilhamento, precisa justificar esse acesso com base na execução de uma política pública específica e claramente determinada, descrevendo o motivo da solicitação de acesso e o uso que será feito com os dados.

Quando exigido pelos órgãos públicos, o consentimento será medida excepcional e dever-se-á referir a finalidades determinadas e comunicadas claramente ao titular do dado. Na ocorrência dessa última situação, as autorizações genéricas para o tratamento de dados pessoais serão consideradas nulas.
O art. 26 da LGPD, § 1º, incisos IV excepcionou a vedação à transferência a entidades privadas de dados pessoais constantes de bases de dados a que tenha acesso, quando houver previsão legal ou a transferência for respaldada em contratos, convênios ou instrumentos congêneres, com a obrigação de comunicar os contratos e convênios de que trata o referido § 1º à ANPD, a teor do disposto no § 2º desse mesmo artigo (BRASIL, 2018b). O mesmo ocorre na hipótese de a transferência de dados objetivar exclusivamente a prevenção de fraudes e irregularidades, ou proteger e resguardar a segurança e a integridade do titular de dados, desde que vedado o tratamento para outras finalidades (BRASIL, 2018b, art. 26, §1º inciso V).
São relacionadas a seguir as principais hipóteses gerais que autorizam o tratamento de dados pessoais e dados pessoais sensíveis pelas ouvidorias do SUS.
Hipótese 2 – Tratamento para o cumprimento de obrigação legal ou regulatória
As questões constantes do GBP devem ser respondidas positivamente para que a hipótese de tratamento seja aplicável em estrita observância à LGPD:
Hipótese 3 – Tratamento para a execução de políticas públicas
As questões constantes do GBP devem ser respondidas positivamente para que a hipótese de tratamento seja aplicável em estrita observância à LGPD:
Especificamente no que tange à realização de estudos em saúde pública, o art. 13 da LGPD possibilita que os órgãos tenham acesso a bases de dados pessoais, inclusive aos atributos sensíveis que serão tratados exclusivamente dentro do referido órgão e estritamente para a finalidade de realização de estudos e pesquisas. Nesse sentido, o órgão deverá garantir que os dados sejam mantidos em ambiente controlado e seguro, e que, sempre que possível, sejam anonimizados ou pseudonimizados. A LGPD faz ressalva expressa à divulgação de dados pessoais na publicação de resultados ou de qualquer excerto de estudo ou pesquisa realizados.
Hipótese 7 – Tratamento para a proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro
As questões constantes do GBP devem ser respondidas positivamente para que a hipótese de tratamento seja aplicável em estrita observância à LGPD:
Hipótese 8 – Tratamento para a tutela da saúde do titular
As questões constantes do GBP devem ser respondidas positivamente para que a hipótese 8 de tratamento seja aplicável em estrita observância à LGPD:
Segundo o GBP (GUIA..., 2020), uma vez identificadas as hipóteses de tratamento aplicáveis às situações específicas de processamento de dados por órgãos e entidades da Administração Pública Federal, deve-se partir para outras questões importantes relativas à conformidade aos princípios da LGPD. No caso da Ouvidoria-Geral do SUS, o órgão ou entidade pública deve considerar as recomendações sobre:
As sanções administrativas aplicáveis pela autoridade nacional, em razão das infrações às normas da LGPD, vão desde a advertência até a imposição de sanções de natureza pecuniária, que podem chegar a 2% do faturamento do grupo no Brasil, limitada a R$ 50 milhões por infração.
As sanções podem ser aplicadas cumulativamente, por dia e infração, mas sempre com base na gravidade e extensão da violação.

No registro das manifestações, as ouvidorias do SUS coletam dados pessoais dos usuários e encaminham às instâncias responsáveis por sua resolução, ou seja, os dados pessoais do usuário são compartilhados. Analise o exemplo a seguir e responda às perguntas, de acordo com a LGPD.
O usuário entra em contato com a ouvidoria para solicitar um medicamento de alto custo, pois não está conseguindo adquirir pelo SUS.
a) No caso em questão, qual hipótese pode ser aplicada ao tratamento de dados pessoais? Justifique.
A Hipótese 3 – Tratamento para a execução de políticas públicas, pois o tratamento está respaldado na competência legal vinculada a políticas públicas. Todas as perguntas para enquadramento na hipótese foram respondidas positivamente:
b) A ouvidoria precisa do consentimento do cidadão para encaminhar os seus dados pessoais para a área responsável? Justifique sua escolha.
Não. Nessa situação, o consentimento do titular de dados é dispensável. Contudo, a ouvidoria que coletou deve informar claramente ao titular que seus dados serão compartilhados e com quem. Por exemplo: “sr.(a), sua manifestação foi cadastrada nesta ouvidoria sob o número de protocolo 00009 e os seus dados pessoais (nome, CPF e número do cartão SUS) serão encaminhados à área de assistência farmacêutica da secretaria municipal de saúde para análise e providências cabíveis...” A ouvidoria deve evitar a coleta e o compartilhamento de dados pessoais desnecessários ao tratamento da manifestação.