Módulo 3SUS: o direito à saúde, princípios e diretrizes

Em nossos estudos, vimos que a política de saúde no Brasil passou por diferentes momentos, principalmente no período anterior à criação do SUS, quando o nosso país apresentava inúmeros problemas, como:

grande desigualdade no acesso aos serviços de saúde
multiplicidade e descoordenação entre as instituições atuantes no setor
baixa resolutividade e produtividade dos recursos existentes, sem integralidade da atenção
gestão centralizada e pouco paticipativa

Essas questões entraram na discussão e reformulação do sistema de saúde brasileiro e culminaram na criação do SUS, que definiu princípios e diretrizes, em resposta aos problemas apontados. Vale lembrar que, nas discussões, já estava em pauta a ideia de que “[...] o direito à saúde no Brasil é um direito social, coletivo, e não um direito individual garantido mediante pagamento e a respectiva cobertura” (MATTA, 2007, p. 67).

Com essas considerações, convidamos vocês para conhecer um pouco mais sobre o SUS, seus princípios, suas diretrizes e bases legais e como ele funciona.

Navegue pelos itens a seguir clicando sobre eles.

Princípios e diretrizes do SUS

Os princípios e diretrizes do SUS foram estabelecidos na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) e regulamentados pela Lei n. 8.080/1990 (BRASIL, 1990). Em 2011, com o Decreto n. 7.508, o SUS teve a regulamentação de sua Lei Orgânica (BRASIL, 2011).

Os princípios e diretrizes do SUS, que são a base para o seu funcionamento e a sua organização, consolidam “os direitos conquistados historicamente pelo povo brasileiro e o formato democrático, humanista e federalista que deve caracterizar sua materialização” (MATTA, 2007, p. 61). O autor ainda afirma que eles constituem “um produto resultante de um processo político e que expressa concepções sobre saúde e doença, direitos sociais, gestão, relações entre as esferas de governo do país, entre outros” (MATTA, 2007). Assista ao vídeo para conhecer os princípios do SUS.

Fonte: Série SUS ([201-]).

Na época em que foram elaborados, esses princípios se referiam a valores que deveriam orientar a construção do novo sistema. Vamos reforçar o conhecimento dos princípios vistos no vídeo. Clique em cada um deles:

Universalidade

Universalidade significa a garantia de que todos os cidadãos devem ter acesso aos serviços públicos e privados conveniados. Todo cidadão é igual perante o SUS e será atendido conforme suas necessidades.

Descentralização

Descentralização com direção única para o sistema. É a redistribuição das responsabilidades quanto a ações e serviços de saúde entre os vários níveis de governo (União, estados, municípios e Distrito Federal), partindo do pressuposto de que quanto mais perto o gestor estiver dos problemas de uma comunidade, mais chance terá de acertar em sua resolução. A descentralização tem como diretrizes: regionalização e hierarquização dos serviços rumo à municipalização; organização de um sistema de referência e contrarreferência; maior resolubilidade, atendendo melhor os problemas de sua área; maior transparência na gestão do sistema; da participação popular e do controle social.

Integralidade

Integralidade da atenção à saúde é o reconhecimento, na prática, de que:

Ilustração de uma charge em que uma pessoa é atendida pelo médico e ele fala: O senhor vai ter que arrumar outra doença! Essa, o seu plano não cobre!
  • o usuário do sistema é um ser integral, participativo no processo saúde-doença e capaz de promover saúde;
  • as ações de promoção, proteção e recuperação da saúde formam, também, um sistema único e integral e, por isso, devem atender em todos os níveis de complexidade, referenciando o paciente aos serviços na medida em que for necessário o atendimento;
  • cada comunidade deve ser reconhecida dentro da realidade de saúde que apresenta;
  • a promoção da saúde significa dar ênfase à atenção básica, sem prescindir de atenção aos demais níveis de assistência.
Participação

Participação da comunidade é a garantia constitucional de que a população, por meio de suas entidades representativas, pode participar do processo de formulação das políticas e do controle de sua execução. Assim, garante o controle social sobre o sistema e a melhor adequação da execução à realidade referida; permite uma compreensão mais abrangente do próprio usuário na concepção de saúde e doença; fortalece a democratização do poder local, com o aumento da influência da população na definição de políticas sociais.

Equidade
Fonte: Tony Ruth’s Equity Series. https://cx.report/2020/06/02/equity

Equidade significa que todos têm direito à saúde, reconhecendo as diferenças dos grupos sociais e a diversidade do país. Relaciona-se com o conceito de justiça social. Tem o objetivo de reduzir as desigualdades sociais, observando que as condições de vulnerabilidade de cada grupo social e das regiões do país refletem na saúde da população de forma diferenciada. Induz a políticas e programas específicos de saúde para grupos como mulheres; crianças; homens; LGBTQIAPN+ (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queers, intersexuais, assexuais, pansexuais, não binários e outros); pessoas com deficiência; população negra; quilombolas; povos indígenas; ciganos; população em situação de rua; população do campo, da floresta e das águas, entre outros; além de programas que têm foco nas questões de saúde diferentes nas regiões do país.

Agora que conhecemos os princípios e as diretrizes, vamos aprofundar um pouco mais o nosso conhecimento sobre a base conceitual e legal do SUS.

Atividade comentada – Princípios do SUS

Vamos começar identificando no caça-palavras os princípios do SUS:

Depois de ter lido a respeito dos princípios do SUS, discuta com seus colegas de trabalho sobre qual desses princípios respalda e garante o acesso do usuário aos serviços de que necessita, a partir do seguinte caso: uma mulher de 56 anos, diabética, procurou uma unidade básica de saúde para obter a medicação recomendada (hipoglicemiante oral), visto que seu plano de saúde privado não fornece tal medicamento.

O princípio que está envolvido é a Universalidade, pois embora a paciente tenha o seguro de saúde, isso não foi empecilho para seu acesso.

Lembrando que a Universalidade é um dos princípios fundamentais do SUS e determina que todos os cidadãos brasileiros, sem qualquer tipo de discriminação, têm direito ao acesso às ações e aos serviços de saúde.

A adoção desse princípio fundamental, a partir da Constituição Federal de 1988, representou grande conquista democrática, que transformou a saúde em direito de todos e dever do Estado.

Antes do SUS, apenas pessoas com vínculo formal de trabalho (carteira assinada) ou que estavam vinculadas à previdência social poderiam dispor dos serviços públicos de saúde. A opção para as demais pessoas era pagar pelos serviços privados.

Hoje, mais de 30 anos depois da Constituição e da criação do SUS, embora o sistema sofra problemas financeiros, políticos e administrativos, prevalece a ideia de que o SUS é para todos os brasileiros e muitas políticas públicas floresceram a partir dessa visão.

A distribuição gratuita de medicamentos para várias doenças crônicas e a reconhecida Política Nacional de DST/Aids são exemplos de iniciativas que decorrem da perspectiva de se pensar a saúde como um direito universal.

Base conceitual legal do SUS

Foto em preto e branco pessoas na plateia de mãos dadas erguidas para o alto na sessão de votação do texto constitucional, que teve lugar no Plenário da Câmara dos Deputados.
Fonte: Senado Federal (BRASIL, 2013).

O marco legal do SUS está na Seção II, Da Saúde, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), e nas Leis n. 8.080/1990 (BRASIL, 1990a) e n. 8.142/1990 (BRASIL, 1990b). Como vimos, essa criação foi resultado de um processo social marcado por uma luta política, e seus princípios e diretrizes coincidem com as bandeiras levantadas pelo Movimento de Redemocratização do país. Assim, não é por acaso que sua implantação reflete fortemente o processo de descentralização política e a abertura de espaços de participação democrática, após 1988.

Constituição Cidadã – 1988

No Texto Constitucional, promulgado em 5 de outubro de 1988, foram incorporadas as grandes demandas do movimento sanitário, tais como:

  • a saúde entendida amplamente como resultado de políticas econômicas e sociais;
  • a saúde como direito de todos e dever do Estado;
  • a relevância pública das ações e dos serviços de saúde;
  • a criação de um sistema único de saúde, organizado pelos princípios da descentralização, do atendimento integral e da participação da comunidade.

Assim, a Constituição Federal declara, no artigo 196:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco da doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988).
Lei Orgânica da Saúde n. 8.080/1990

A Lei Orgânica da Saúde n. 8.080, de 19 de setembro de 1990 (BRASIL, 1990a), foi então elaborada para regulamentar o SUS, criado pela Constituição Federal.

Essa lei dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Ela tem como objetivos:

  • a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde;
  • a formulação de políticas de saúde;
  • a assistência às pessoas por meio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas.
Lei Complementar à Lei Orgânica da Saúde n. 8.142/1990

A Lei Complementar à Lei Orgânica da Saúde n. 8.142/1990 (BRASIL, 1990b) definiu:

  • o estabelecimento das regras para a realização das conferências de saúde e a sua função de definir as diretrizes gerais para a política de saúde;
  • as regras de repasse financeiro do nível federal para estados e municípios, que deveriam ter um fundo de saúde, conselho de saúde, plano de saúde, relatório de gestão e contrapartida de recursos do respectivo orçamento;
  • a regulamentação dos conselhos de saúde nacional, estaduais e municipais, definindo o seu caráter permanente e deliberativo, a representação paritária e o papel de formulador e controlador da execução da política de saúde.

Com relação ao último ponto, a Lei n. 8.142/1990 (BRASIL, 1990b) estabeleceu dois mecanismos principais de participação da comunidade na gestão do SUS:

  • os conselhos de saúde;
  • as conferências de saúde.

Ainda de acordo com essa lei, a representação dos usuários nos conselhos e conferências de saúde deve ser paritária, em relação ao conjunto dos demais segmentos. Isso significa que 50% dos representantes devem ser usuários do SUS. Tal definição visa garantir à população, geralmente afastada dos processos de decisão na gestão das políticas públicas, uma participação maior e não subordinada aos gestores e profissionais de saúde.

Para Saber Mais

Caso queira conhecer o texto constitucional sobre a Seção II, Da Saúde (Capítulo II, Da Seguridade Social; Título VIII, Da Ordem Social) e as leis na íntegra, acesse:

  • Os art. 196 a 220, que compõem a Seção II, Da saúde, presente na Constituição.
  • A Lei n. 8.080/1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.
  • A Lei n. 8.142/1990, que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências.

No próximo módulo, conheceremos com mais detalhes como se dá a organização desses espaços de participação e processos decisórios. Antes, faça a atividade a seguir.

Atividade comentada – Legislação e Saúde Pública do Brasil

Considerando o que foi tratado sobre a base conceitual e legal do SUS, destaque os principais aspectos relacionados à saúde pública do Brasil apresentados na Constituição Federal e nas leis orgânicas do SUS.

1. Principais aspectos da CF 88: A saúde como direito fundamental

A Constituição Federal de 1988 (CF 88) garante a saúde como um direito universal, ou seja, todos têm as garantias ao tratamento adequado, desde procedimentos simples aos mais complexos, como o transplante de órgãos. E o poder público, o dever de ofertar por meio do SUS.

O SUS trabalha com a atenção integral à saúde. Assim, o cidadão tem o direito aos cuidados, desde a prevenção ao tratamento, incluindo a proteção à saúde. O legislador, ao elaborar a CF 88, ainda determinou o dever para os entes das três esferas: federal, estadual e municipal, com responsabilidades tripartites, para garantir esse direito a todo cidadão, sem discriminação. Essa determinação está no art. 196, em que a saúde é direito de todos e dever do Estado, que deve garantir esse direito por meio de políticas sociais e econômicas. O acesso à saúde pública e gratuita é, portanto, um dos marcos sociais mais importantes definidos pela constituição.

2. Principais aspectos da Lei n. 8.080/1990 – a organização do SUS para prover a promoção, proteção e recuperação da saúde, além da organização e o funcionamento do SUS

A Lei n. 8.080/1990 regula, em todo o território nacional, a prestação de serviços de saúde, inclusive aqueles prestados pela iniciativa privada. A iniciativa privada participa de modo complementar, com prioridade para as entidades filantrópicas sobre as privadas lucrativas.

Outro aspecto importante é a descentralização político-administrativa, com a municipalização dos serviços e ações da saúde, com redistribuição de atribuições e recursos. Entre as atribuições, estão a assistência integral à saúde, a assistência farmacêutica, o controle e a fiscalização de alimentos, a formação de recursos humanos para a área da saúde e a vigilância em saúde.

3. Principais aspectos da Lei n. 8.142/1990 – os colegiados e as instâncias deliberativas para participação da comunidade e organização do financiamento do SUS

Essa lei dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. A Lei n. 8.142/1990, resultado da luta pela democratização dos serviços de saúde, representa uma vitória significativa. A partir desse marco legal, foram criados os Conselhos e as Conferências de Saúde como espaços vitais para o exercício do controle social do SUS.

Quando conquistamos esses espaços de atuação da sociedade na lei, começou a luta para garanti-los na prática. Os Conselhos de Saúde foram constituídos para formular, fiscalizar e deliberar sobre as políticas de saúde. Deliberar acerca das políticas de saúde é uma grande conquista da sociedade. Garantir a implementação das deliberações é uma disputa permanente em defesa do SUS. É por isso que a promoção do conhecimento sobre a saúde no país e o papel dos Conselhos de Saúde implicam o fortalecimento do SUS.

Em relação ao financiamento do SUS, a lei define que os recursos do SUS são provenientes do Fundo Nacional de Saúde (FNS), criado, em 1969, para aprimorar a gestão dos recursos destinados às ações e aos serviços em saúde. A transferência de recursos ocorre de fundo a fundo, ou seja, o Fundo Nacional faz o repasse diretamente para os fundos municipais, estaduais e para o Distrito Federal.

Para Saber Mais

  • Quer saber mais sobre os aspectos importantes relacionados à base legal do SUS, referentes à CF 88, Lei n. 8.080/1990 e Lei n. 8.142/1990, acesse https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/progestores/leg_sus.pdf, projeto realizado por meio da parceria do Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde (Conass) com o Ministério da Saúde, em 2003, e leia da página 20 a página 40.
  • Acesse a Legislação Básica do SUS.